quarta-feira, maio 31, 2006

ACTOS DE FÉ

Comprar Ruta 66 (cada mês)
Crer no poder da poesia (e, por extensão, no de todas as artes)
Crer no poder da beleza
Cruzar olhadas com as raparigas bonitas no metro, na rua, nos bares
Comprar o “cuponazo” (cada vez que me lembro de o fazer)
Confiar no sentido da responsabilidade dos demais
Pensar que sempre há algo que dizer e que sempre há que dizer algo
Ser ateu
Manter a capacidade de emocionar-se

Etiquetas:

segunda-feira, maio 29, 2006

O futuro da leitura

Curiosas respostas as que obtive nas composições sobre a perda de hábitos de leitura na sociedade moderna dum grupo de alunos de 1º de Bachillerato. Como “feedback” dei-lhes um artigo de opinião assinado por Joan Garí e publicado no jornal El País do passado Dia do Livro. Nele, o autor comentava as conclusões às que chegava Philip Roth numa recente entrevista. O autor de “A mancha humana” assegurava que nos USA actuais não há mais de 25,000 bons leitores e que num futuro não muito distante, o número de americanos que terão lido uma obra como Ana Karenina será ridículo. Tomando como referência a proporção americana, Garí chega à cifra de dois leitores da obra de Tolstói em Espanha e imagina como seria se os dois vivessem na mesma cidade e coincidissem na rua por casualidade, com o romance baixo o braço a modo de romântico contra-sinal; o que na minha mente relacionou a tétrica fantasia de Garí com o futuro imaginado por Bradbury para o seu romance Farenheit 411. Logo continuava o espanhol o seu artigo defendendo uma definição do que é um “bom leitor” com a que não posso estar de acordo. Para Garí, um bom leitor é aquele que lê quatro ou cinco livros ao mês e, alem disso, livros de qualidade, entendendo como tais aqueles considerados unanimemente como clássicos ou pertencentes ao polémico cânon.

Após entregar e discutir brevemente o artigo nas aulas, pedi uma composição na que os meus alunos deviam reflectir o seu parecer. As conclusões são muito chamativas. Todos sem excepção sabem que ler é um benefício e até podem enumerar sem dúvidas nem atrancos três ou quatro vantagens práticas derivadas da leitura habitual de bons livros. Porém, essas vantagens dão um cheiro assim como a lição bem apreendidas sobre o politicamente correcto. Dizem o que lhes repetimos porque sabem que é o que queremos ouvir-lhes, mas logo reconhecem que não gostam de ler e que o pouco que lêem é por obriga. Apontam à tecnologia (internet, videojogos) e à disponibilidade de novas formas de lecer (cinema, desportos, “botellón”) como os culpáveis da situação, mas não semelham dispostos a corrigir essa tendência no que lhes toca por muito que a condenem.

Quando eu cursava os antigos BUP e COU lia muitíssimo, mas custava-me muito ler o que os meus professores queriam que lera. Na universidade, os cursos que tive de fazer até livrar-me das asignaturas de literatura espanhola, cheias de obras que já lera mil vezes, passaram lentos e quando tive por fim literatura inglesa e americana foi uma liberação. As leituras obrigatórias pareciam-me uma violência intolerável contra a que tinha que rebelar-me. Agora compreendo melhor aos companheiros do departamento de língua espanhola que me dizem que a obriga é necessária porque de não existir os alunos não leriam em absoluto e, que com o tempo, a mesma obriga podia fazer com que algum deles termine por descobrir que, em realidade, gosta da leitura.

Na actualidade, a maioria dos alunos de Bachillerato atranca-se com as asignaturas que exigem uma boa expressão das ideias. Têm problemas de compreensão do que lêem, não são quem de expressar correctamente o que querem dizer, enganam-se com os enunciados de exercícios simples, desconhecem as normas ortográficas básicas e são incapazes de estabelecer relações evidentes entre temas claramente vinculados. Não reconhecem alusões nem jogos de palavras e carecem de cultura para melhorar estes aspectos a meio prazo. O Informe Pisa é claro a este respeito. Um colega de Desenho Técnico contou-me que ele não se importa com como é que os alunos realizam os exercícios, que lhe abonda com que o possam justificar coerentemente, e que nenhum o faz de jeito satisfatório. Os pais declaram-se incapazes de convencer aos filhos de que leiam e um não se sente com forças para dizer-lhes que era algo que tinham que haver feito muito antes.

Etiquetas: , ,

domingo, maio 28, 2006

Blogues visitantes

Dois dos brinquedos relacionados com o blogue dos que mais gosto são a "random search" de Blogger, que leva a gente dum blogue a outro de jeito aleatório e mais o "rastreador" de visitas do contador que tenho instalado nos meus blogues (já disse uma vez que sou muito curioso) e que me permite ir aos sites dos que recebo visitas. Às vezes estes sites são blogues de muito longe que chegam aos meus evidentemente graças à percura aleatória de blogues da Blogger. Dos mais interessantes destes últimos visitantes, destaco estes dois:

Grist to the mill

Lai Ho Wan

O primeiro é o jornal duma inglesa, com um ponto de reflexão e uma sensibilidade que não me resulta alheia; o segundo semelha ser (porque está em japonês e não se percebe nada) um espaço artístico virtual onde o artista expõe algumas das suas obras. São ilustrações muito interessantes que recolhem a tradição estética oriental e certas tendências da abstracção moderna. Não tenho licença do autor para publicar a ilustração que acompanha a esta entrada, mas também estou a lhe fazer publicidade... ou que caralho?

Etiquetas: ,

Granate, a cor mais elegante


Já falta menos para completar o novo ascenso do Pontevedra CF. Nem a Inquisição federativa/arbitral pôde com nós. Temos uma missão divina, como os Blues Brothers, e não pararemos até chegar ao lugar que nos corresponde: a 1ª divissão do Há que roê-lo! A torcida granate terá de volver a suportar as partidas sem cerveja em Pasarón.


pd: quero enviar uma mensagem de ânimo aos seguidores do Racing de Ferrol. Em breve volveremos a encontrar-nos... na 2ªA!

Etiquetas: ,

quarta-feira, maio 24, 2006

Maluquice

Pode algo tão parvo produzir nostalgia?

Etiquetas: ,

terça-feira, maio 23, 2006

Empatia, sensibilidade, parelhas (e Dylan)

Ontem, Telemadrid ofereceu o segundo duma série de documentários da BBC sobre as diferentes maneiras que têm homens e mulheres de perceber as relações entre os sexos. Tratam-se neles os tópicos (os homens procuram mulheres com curvas porque é indicativo de fertilidade; as mulheres homens altos e que inspirem confiança e segurança) e pontos de vista mais originais (um zoólogo afirma que temos tendência a procurar na parelha rasgos faciais semelhantes aos nossos).

Uma das principais diferenças semelha estar na empatia, na facilidade para entender ou compartir os sentimentos alheios, que é muito alta nas mulheres e muito baixa nos homens. Os homens são bons para valorar objectos, mas não tanto para avaliar sentimentos. Num experimento do programa, vários homens e mulheres eram recolhidos por um actor num táxi que de caminho ao laboratório lhes contava várias coisas da sua vida. As mulheres lembravam a conversa com o homem; os homens lembravam todos os detalhes do carro.

No blogue de Xalundes, atopei o outro dia este teste, também da BBC. Nele mede-se a capacidade que temos para reconhecer um sorriso fingido. Eu acertei só 9 de 20, ainda que antes de começar a fazê-lo pedem que se valore de 1 a 7 a própria capacidade e eu pusera um 4, é dizer, colocava-me no meio da tábua já de partida.

Hoje fiquei muito surpreendido numa das minhas aulas por causa disto (da empatia, quero dizer). Com tudo o bom que um possa dizer deles, os alunos e as alunas da Secundária actual não são um prodígio nem de sensibilidade nem de conhecimentos vitais que facilitem o seu entendimento de certos temas. Normalmente, reagem bastante mal à música que propomos os adultos e tenho tido reacções muito negativas perante certos estilos ou cantantes. Pois bem. Para trabalhar os condicionais e as estruturas alternativas a eles, escolhi uma velha canção de Dylan. Vimos as estruturas, traduzimos a letra e no fim das aulas, enquanto a escutávamos, uma rapariga começou chorar. Estava completamente emocionada, identificada com os sentimentos que a Dylan lhe produzira a ruptura com a sua mulher. Nunca me passara nada semelhante e pergunto-me se o facto de que a pessoa que chorou era mulher terá algo a ver com o sucedido.

Etiquetas: , ,

sábado, maio 20, 2006

Pós-data às Letras galegas

a b c d e f g h i J k l
Lh m n Nh o p q r
s Ss t u v w y z ç ã õ

Etiquetas: , , ,

Três poemas de Eugénio de Andrade


RUMOR
Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.

A levantar do chão
qualquer coisa que vive,
e é como um perdão
que não tive.

Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.

Mas não pode voar.

(De Os amantes sem dinheiro, 1950)


A QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


RETRATO COM SOMBRA
Que morte é a sombra deste retrato,
onde eu assisto ao dobrar dos dias,
órfão de ti e de uma aventura suspensa?

Tu não eras só este perfil.
Tu não eras só este sossego aconchegado
nas mãos como un regaço.
Tu não eras apenas
este horizonte de areia com árvores distantes.

Falta aqui tudo o que amámos juntos,
o teu sorriso com as ruas dentro,
o secreto rumor das tuas veias
abrindo sulcos de palavras fundas
no rosto da noite inesperada.
Falta sobretudo à roda dos teus olhos
a pura ressonância da alegria.

Lembro-me de uma noite em que ficámos nus
para embalar um beijo ou uma lágrima,
lutando, de mãos cortadas, até romper o dia,
largo, intacto,
nas pálpebras molhadas dos lírios.

Tu não eras ainda este perfil
com uma rosa de cinza na mão direita.
Eu andava dentro de ti
como um pequeno rio de sol
dentro da semente,
porque nós –preciso é dizê-lo–
tínhamos nascido um dentro do outro
naquela noite.

Esse é o teu rosto verdadeiro;
aquele rosto que vou juntando ao teu retrato
como quando era pequeno:
recortando aqui,
colando ali,
até que uma fonte rasgue a tua boca
e a noite fique transbordante de água.

(De As palavras interditas, 1951)


Eugénio de Andrade

Etiquetas: ,

Outro concerto a não perder



No vindeiro dia 30, terça-feira, na Sala Sol de Madrid... Punksoul do melhor (com permiso dos Dirtbombs). Eu vou ir!

Aqui podes ler como os apresentam os da companhia espanhola que organiza as suas giras, e aqui podes escutá-los se ainda vives na ignorância (e consultar o resto das datas da sua gira por Espanha).

Etiquetas:

sexta-feira, maio 19, 2006

Sem palavras

quinta-feira, maio 18, 2006

O Papa contra os religiosos sodomitas pertinazes

Isto passa-me por ler parvoíces. Menudo elemento o Benito!

Etiquetas: , ,

O revolucionário Neo-con?

Vou contar-lhes uma história.

Era-se uma vez uma conhecida marca de material desportivo que queria fazer uma campanha publicitária em Polónia e contrataram para fazê-la a um famoso fotógrafo do país chamado Andrzej Dagan. O homem assegura que escolheu inocentemente a um modelo, tomou fotografias dele imitando o famoso gesto do Che Guevara e misturou a cara do modelo com a fotografia real do Che para dar-lhe cor depois (disque no site pessoal do fotógrafo existe um "making of" que prova a existência do modelo, disque...). O caso é que a campanha está a ser mais seguida em Espanha do que em Polónia já que o resultado final tem um desassossegante parecido com certo ex-presidente bigotudo, baixinho e de muita "mala leche", de cuyo nombre no quiero acordarme.

Vocês o que é que acham?


Etiquetas: , ,

Os poetas ingleses

Ultimamente não tive muito tempo para dedicar ao blogue, mas parece que o panorama vai-se despejando aos poucos. Anteontem terminou um dos cursos que estou a fazer, o que oferece a Consejería de Educación da Comunidade de Madrid como formação aos centros que foram escolhidos para a implantação pilotada do Portfolio Europeu das Línguas. Ontem rematou o outro curso, o de língua árabe, e também tive a avaliação final de 2º de Bacharelato, o que me quita bastante trabalho de encima. À avaliação cheguei com a língua de fora, porque tive de corrigir muito.

Além dos exames e exercícios tinha de escolher um livro para que leram (o clássico “reader”, uma dessas estúpidas leituras graduadas que parecem ter sido escritas para parvos). Em lugar disso, dei-lhe ao grupo uma lista de poetas ingleses e americanos e as páginas do livro de Robert BarnardA Short History Of English Literature’ referentes a Byron, Shelley e Keats, que comentámos nas aulas junto com duas odes de Keats. Os alunos tinham de escolher um poeta, buscar ou pedir-me informação sobre ele, elaborar uma breve biografia e um comentário ainda mais breve sobre as características gerais da obra do autor escolhido. Por último, e para forçá-los a ler um pouco tinham de profundar nas obras e escolher um poema breve que haviam de ler na aula e que contaria como nota de prova oral.

A minha intenção era reunir num só trabalho exercícios de compreensão leitora, expressão escrita e expressão oral, além de lograr que os alunos conhecessem pelo menos ligeiramente autores em língua inglesa que, doutro jeito, nunca chegariam descobrir. O resultado foi surpreendente. As biografias dos românticos principais entusiasmaram-nos. Duas alunas escolheram Emily Dickinson porque era a única mulher da lista que lhes dei, e estavam realmente emocionadas. Procuraram informação sobre ela por toda a internet, pediram-me livros dela e até solicitaram que a biblioteca do centro adquirisse exemplares da edição bilingue de Hiperión. Compreendo bem o fascínio que Dickinson pode exercer sobre certas sensibilidades e eu mesmo estava emocionado ao ouvi-las esforçar-se por melhorar a sua pronúncia para ler correctamente Thunderstorm, o poema que escolheram para apresentar na aula.

Emily Dickinson

Quando comentei a minha intenção no departamento, desejaram-me sorte muito ironicamente. Agora creio que um companheiro tem decidido fazer o mesmo o próximo curso. É claro que os grupos de Bacharelato motivados são assim “outra coisa”, uma rara avis, mais o certo é que quando há sorte e cai-te um reconcilias-te com a profissão. Nada a ver com o meu odiado 2º da ESO, desde logo.

Mascara funebre de Keats

Etiquetas: , ,

segunda-feira, maio 15, 2006

Os perigos de jogar com a verdade

A pesar de certa febre da que já falei, as velhas paixões seguem a perseguir-me. Compro Desire (1976) e interesso-me pelo caso de Rubin "Hurricane" Carter. Vejo o filme de Norman Jewison, no que Denzel Washington interpreta Carter. O filme é sentimental e apológetico; um tanto maniqueu e o que os sajões chamam "self-righteous", longe da fúria da potente acusação dylaniana. Tenho curiosidade, assim que busco em internet e vários matizes de gris aparecem entre o branco e o preto. E eu pergunto-me, onde é que fica a verdade?

Há muitas semelhanças com o caso de O.J. Simpson. Seguro que o recordo de Carter estava presente e influiu no juízo do ex-jogador de futebol americano. Claro que O.J. conseguiu o que Carter não pôde: convencer aos membros do júri de que o estavam a julgar por asasinato por ser preto. Lembro que, pelo que diziam os jornais na época, as provas contra O.J. Simpson semelhavam mais claras. Por pequenas que sejam, há possibilidades de que ambos sejam culpáveis e de que ambos jogaram a vaza do racismo para evitar a cadeia.

Em momentos como este, quero creer na existência do karma.

Etiquetas: , ,

sexta-feira, maio 12, 2006

Fontes e lugares (e IV)

Lisboa

Etiquetas: ,

Fontes e lugares (III)

Fontes e lugares (II)

Fontes e lugares (I)

Tui

Pontevedra

Etiquetas: ,

segunda-feira, maio 08, 2006

Object trouvée (9)

Já posso chamar este blogue "Vida dum inocente polvinho"?

Etiquetas: ,

Achega-se o dia


Já estou listo para
eles.

Etiquetas:

domingo, maio 07, 2006

ENCE

O passado domingo 23 de Abril, o jornal El País publicou no seu suplemento económico um artigo sobre ENCE ao que seguiu uma sucessão de cartas ao director, a última publicada o dia 5 de Maio.

O artigo que deu origem as cartas, assinado por Carlos Gomez, continha vários dados de interesse. Destacava a importância do câmbio na presidência da empresa e a habilidade com a que Caixa Galicia jogara as suas cartas no processo. Por uma banda, a caixa desprendera-se de um número de acções suficiente como para deixar de ser o máximo accionista de ENCE com a pretensão de evitar que a imagem da caixa se vise danada como consequência da delicada situação actual da fábrica de Pontevedra. Por outra banda, a chegada de Juan Luis Arregui à presidência, deve ajudar a melhorar a imagem ecológica da empresa.

A seguir, incluíam-se dados sobre os resultados económicos e bursáteis de ENCE mais uma análise das perspectivas de futuro da empresa. Informa-se assim de que em 2005, a divisão de celulosa e energia aportou 93,6 milhões de euros, o que supõe um incremento de 98% a respeito do ano anterior. Produziram-se 1.045.879 toneladas de celulosa (incremento dum 2%), cifra que se pretende aumentar ainda um 50% em três anos graças à construção duma nova fábrica em Uruguai. Além disso, o grupo produziu 1,24 milhões de mega vátios hora de electricidade (1% mais do que em 2004) e aumentou as vendas de electricidade a terceiros em 50%. Também assinalava-se a possível aquisição duma fábrica já existente em Portugal e a intenção do grupo de vender parte da sua quota de emissão de CO2 e energia proveniente da biomassa. A divisão florestal de ENCE aumentou em 4% o volume de negócio em 2005, aportando uns benefícios de 19 milhões de euros.

O tono do artigo era neutro, ainda que a objectividade dos dados e o optimismo dos cálculos para o futuro (económicos e estratégicos) deixavam transluzir que a fonte dos mesmos era a própria empresa. O problema é que o autor do artigo não quis em momento nenhum chamar as coisas pelo seu nome. A ver se o fazemos nós.

Em primeiro lugar, há que denunciar a jogada propagandística do câmbio na presidência. Méndez e Caixa Galicia seguem a ser accionistas de ENCE, só se retiram da primeira linha para que a caixa não se lixe se as coisas se põem feias com o traslado da fábrica de Pontevedra. Caixa Galicia actua com a cobardia de quem sabe que está a fazer mal mas poder tirar algum benefício de não chamar muito a atenção. Seria muito prejudicial que perdesse força precisamente na Galiza. Isso pode-se chamar medo ou covardia. A postura valente seria a de liquidar as participações e reconhecer o erro de haver invertido numa empresa tão nociva para a nossa terra, para toda a nossa terra. Não se explica que uma empresa com tanto incremento dos benefícios, nem com tão bons augúrios para o futuro imediato afirme categoricamente a inviabilidade económica do traslado. O facto, pois, é que não querem investir os benefícios, como durante anos evitaram modernizar os filtros das chaminés ou o tratamento dos resíduos líquidos que botam à ria.

Em segundo lugar, Carlos Gomez, durante boa parte do artigo, varia o foco de atenção do mesmo entre os problemas da fábrica de Pontevedra e a marcha do grupo ENCE como conjunto. Deste jeito, parece que os grandes benefícios do grupo procedem da ameaçada planta de Pontevedra. Diz-se que a planta de Pontevedra tem licença administrativa para seguir com a sua actividade até 2018, quando deveria dizer que ao expirar a licença nesse ano, a fábrica deveria ser trasladada antes. Há referências ao fracasso de Mendez/Caixa Galicia no intento de fechar o ciclo de fabricação com a construção duma fábrica de papel-tisú, mas não se fala da negativa rotunda de ENCE ao traslado, nem o tremendismo (a incrível cifra que a empresa afirma que haveria de custar o traslado), as ameaças (desaparição de postos de trabalho na comarca) ou as chantagens (acordos económicos com clubes desportivos de Pontevedra, pago de publicidades milionárias nos meios pontevedreses) com as que ENCE trata de evitar cumprir com a Lei de Costas que impõe o seu alongamento da Ria de Pontevedra antes do 2018. Ainda pior, insinua-se no artigo que o único interesse dos partidários do traslado é o facto de que a fábrica deixaria livres 40 hectares urbanizáveis cerca de la turística Sangenjo (sic).

Em terceiro lugar, informa-se do juízo por delito ecológico que vários ex-directivos de ENCE evitaram aceitando uma multa de 30.000 euros cada um e uma indemnização da empresa à Xunta por valor de 433.000 euros. Quem tem memória lembra que durante todos os anos pelos que se pretendia julgar a ENCE e aos seus directivos (1964-1994), a empresa negou sistematicamente o carácter contaminante dos seus vertidos à ria, é dizer: mentiu. Pouco parece importar que o reconhecimento da empresa suponha o reconhecimento de ter cometido pelo menos dois ou três delitos além do ecológico, nem que a indemnização fosse ridícula se a compararmos com a inversão e o tempo que a zona vai precisar para a sua recuperação. O colmo já chega quando o autor, num exercício de ingenuidade que roza o cinismo, di que "aunque se supone que dichos vertidos está subsanados desde mediados de los noventa y que las instalaciones cumplen la normativa medioambiental española y europea, porque en caso contrario debería haber sido ya sancionada e interrumpida su actividad fabril". Se calhar, deveriamos lembrar que o anterior governo da Xunta era um dos máximos defensores da permanência da factoria na ria de Pontevedra e totalmente contrário a exigir a ENCE o cumprimento das normativas europeias.

Por último, o articulista não menciona que a oposição a que a fábrica de Pontevedra mantenha o seu actual emprazamento não se limita à capital, senão que recebe apoios de todos os concelhos da ria directamente afectados pelos vertidos da Celulosa, pelos colectivos de mariscadores e pescadores, assim como por grupos ecologistas de toda Galiza, norte de Portugal, Astúrias e Castela-León, zonas todas elas afectadas pelas necessidades de madeira das fábricas de Pontevedra e Návia, e que implicam a exploração de espécies arbóreas prejudiciais como o eucalipto.

As hemerotecas são muito úteis para comprovar como o comportamento de ENCE desde a sua criação pela ditadura franquista tem-se caracterizado por uma absoluta falta de ética e de respeito pela saúde das povoações da Ria de Pontevedra. Nenhum artigo tendencioso, nenhuma artimanha de ENCE vão cambiar nem isso nem a consciência da gente de que a Celulosa é nociva para a ecologia, e a economia da zona (turismo, agricultura e pesca).

Não queremos terminar sem nos referir à última carta aparecida na secção de cartas ao director de El País o passado dia 5 de Maio, e assinada por um científico de ENCE encarregado de I+D. Nela, o autor defendia a sua empresa das acusações de verter cloro na ria, entre outras afirmações. Estamos dispostos a aceitar a sua palavra de que não vertem cloro, mas gostaríamos de que em lugar de falar do que não vertem, falaram do que sim estão a botar ao mar (mercúrio, metais pesados) e ao ar (enxofre, etcétera). Como o delito ecológico cometido durante 30 anos saiu-lhe tão barato, ENCE pode permitir-se seguir a dizer mentiras sobre as consequências reais da sua actividade em Pontevedra. O dia 5 de Maio, La Voz de Galicia publicou que ENCE está a considerar o seu traslado a Ferrol-Terra e falou dos intereses do grupo em Ortigueira (num artigo que recolhia ponto por ponto o enfoque do publicado por El País). Galiza inteira sente a pressão económica de ENCE. Galiza inteira deve asegurar-se que ENCE cumple a legalidade, as normativas medioambientais e abandona certas práticas carentes de ética que marcaram a sua trajectoria até o momento.

Etiquetas: , , ,

adopta tu também uma mascote virtual!