domingo, maio 07, 2006

ENCE

O passado domingo 23 de Abril, o jornal El País publicou no seu suplemento económico um artigo sobre ENCE ao que seguiu uma sucessão de cartas ao director, a última publicada o dia 5 de Maio.

O artigo que deu origem as cartas, assinado por Carlos Gomez, continha vários dados de interesse. Destacava a importância do câmbio na presidência da empresa e a habilidade com a que Caixa Galicia jogara as suas cartas no processo. Por uma banda, a caixa desprendera-se de um número de acções suficiente como para deixar de ser o máximo accionista de ENCE com a pretensão de evitar que a imagem da caixa se vise danada como consequência da delicada situação actual da fábrica de Pontevedra. Por outra banda, a chegada de Juan Luis Arregui à presidência, deve ajudar a melhorar a imagem ecológica da empresa.

A seguir, incluíam-se dados sobre os resultados económicos e bursáteis de ENCE mais uma análise das perspectivas de futuro da empresa. Informa-se assim de que em 2005, a divisão de celulosa e energia aportou 93,6 milhões de euros, o que supõe um incremento de 98% a respeito do ano anterior. Produziram-se 1.045.879 toneladas de celulosa (incremento dum 2%), cifra que se pretende aumentar ainda um 50% em três anos graças à construção duma nova fábrica em Uruguai. Além disso, o grupo produziu 1,24 milhões de mega vátios hora de electricidade (1% mais do que em 2004) e aumentou as vendas de electricidade a terceiros em 50%. Também assinalava-se a possível aquisição duma fábrica já existente em Portugal e a intenção do grupo de vender parte da sua quota de emissão de CO2 e energia proveniente da biomassa. A divisão florestal de ENCE aumentou em 4% o volume de negócio em 2005, aportando uns benefícios de 19 milhões de euros.

O tono do artigo era neutro, ainda que a objectividade dos dados e o optimismo dos cálculos para o futuro (económicos e estratégicos) deixavam transluzir que a fonte dos mesmos era a própria empresa. O problema é que o autor do artigo não quis em momento nenhum chamar as coisas pelo seu nome. A ver se o fazemos nós.

Em primeiro lugar, há que denunciar a jogada propagandística do câmbio na presidência. Méndez e Caixa Galicia seguem a ser accionistas de ENCE, só se retiram da primeira linha para que a caixa não se lixe se as coisas se põem feias com o traslado da fábrica de Pontevedra. Caixa Galicia actua com a cobardia de quem sabe que está a fazer mal mas poder tirar algum benefício de não chamar muito a atenção. Seria muito prejudicial que perdesse força precisamente na Galiza. Isso pode-se chamar medo ou covardia. A postura valente seria a de liquidar as participações e reconhecer o erro de haver invertido numa empresa tão nociva para a nossa terra, para toda a nossa terra. Não se explica que uma empresa com tanto incremento dos benefícios, nem com tão bons augúrios para o futuro imediato afirme categoricamente a inviabilidade económica do traslado. O facto, pois, é que não querem investir os benefícios, como durante anos evitaram modernizar os filtros das chaminés ou o tratamento dos resíduos líquidos que botam à ria.

Em segundo lugar, Carlos Gomez, durante boa parte do artigo, varia o foco de atenção do mesmo entre os problemas da fábrica de Pontevedra e a marcha do grupo ENCE como conjunto. Deste jeito, parece que os grandes benefícios do grupo procedem da ameaçada planta de Pontevedra. Diz-se que a planta de Pontevedra tem licença administrativa para seguir com a sua actividade até 2018, quando deveria dizer que ao expirar a licença nesse ano, a fábrica deveria ser trasladada antes. Há referências ao fracasso de Mendez/Caixa Galicia no intento de fechar o ciclo de fabricação com a construção duma fábrica de papel-tisú, mas não se fala da negativa rotunda de ENCE ao traslado, nem o tremendismo (a incrível cifra que a empresa afirma que haveria de custar o traslado), as ameaças (desaparição de postos de trabalho na comarca) ou as chantagens (acordos económicos com clubes desportivos de Pontevedra, pago de publicidades milionárias nos meios pontevedreses) com as que ENCE trata de evitar cumprir com a Lei de Costas que impõe o seu alongamento da Ria de Pontevedra antes do 2018. Ainda pior, insinua-se no artigo que o único interesse dos partidários do traslado é o facto de que a fábrica deixaria livres 40 hectares urbanizáveis cerca de la turística Sangenjo (sic).

Em terceiro lugar, informa-se do juízo por delito ecológico que vários ex-directivos de ENCE evitaram aceitando uma multa de 30.000 euros cada um e uma indemnização da empresa à Xunta por valor de 433.000 euros. Quem tem memória lembra que durante todos os anos pelos que se pretendia julgar a ENCE e aos seus directivos (1964-1994), a empresa negou sistematicamente o carácter contaminante dos seus vertidos à ria, é dizer: mentiu. Pouco parece importar que o reconhecimento da empresa suponha o reconhecimento de ter cometido pelo menos dois ou três delitos além do ecológico, nem que a indemnização fosse ridícula se a compararmos com a inversão e o tempo que a zona vai precisar para a sua recuperação. O colmo já chega quando o autor, num exercício de ingenuidade que roza o cinismo, di que "aunque se supone que dichos vertidos está subsanados desde mediados de los noventa y que las instalaciones cumplen la normativa medioambiental española y europea, porque en caso contrario debería haber sido ya sancionada e interrumpida su actividad fabril". Se calhar, deveriamos lembrar que o anterior governo da Xunta era um dos máximos defensores da permanência da factoria na ria de Pontevedra e totalmente contrário a exigir a ENCE o cumprimento das normativas europeias.

Por último, o articulista não menciona que a oposição a que a fábrica de Pontevedra mantenha o seu actual emprazamento não se limita à capital, senão que recebe apoios de todos os concelhos da ria directamente afectados pelos vertidos da Celulosa, pelos colectivos de mariscadores e pescadores, assim como por grupos ecologistas de toda Galiza, norte de Portugal, Astúrias e Castela-León, zonas todas elas afectadas pelas necessidades de madeira das fábricas de Pontevedra e Návia, e que implicam a exploração de espécies arbóreas prejudiciais como o eucalipto.

As hemerotecas são muito úteis para comprovar como o comportamento de ENCE desde a sua criação pela ditadura franquista tem-se caracterizado por uma absoluta falta de ética e de respeito pela saúde das povoações da Ria de Pontevedra. Nenhum artigo tendencioso, nenhuma artimanha de ENCE vão cambiar nem isso nem a consciência da gente de que a Celulosa é nociva para a ecologia, e a economia da zona (turismo, agricultura e pesca).

Não queremos terminar sem nos referir à última carta aparecida na secção de cartas ao director de El País o passado dia 5 de Maio, e assinada por um científico de ENCE encarregado de I+D. Nela, o autor defendia a sua empresa das acusações de verter cloro na ria, entre outras afirmações. Estamos dispostos a aceitar a sua palavra de que não vertem cloro, mas gostaríamos de que em lugar de falar do que não vertem, falaram do que sim estão a botar ao mar (mercúrio, metais pesados) e ao ar (enxofre, etcétera). Como o delito ecológico cometido durante 30 anos saiu-lhe tão barato, ENCE pode permitir-se seguir a dizer mentiras sobre as consequências reais da sua actividade em Pontevedra. O dia 5 de Maio, La Voz de Galicia publicou que ENCE está a considerar o seu traslado a Ferrol-Terra e falou dos intereses do grupo em Ortigueira (num artigo que recolhia ponto por ponto o enfoque do publicado por El País). Galiza inteira sente a pressão económica de ENCE. Galiza inteira deve asegurar-se que ENCE cumple a legalidade, as normativas medioambientais e abandona certas práticas carentes de ética que marcaram a sua trajectoria até o momento.

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