Na mente do psicopata
Releio From Hell, de Alan Moore e Eddie Campbell, uma reconstrução documentada no extremo mas com raízes na ficção e na interpretação artística e subjectiva dos factos, dos assassinatos devidos ao assassino em série conhecido como Jack o estripador, quem actuou em Londres, na zona de Whitechapel no ano 1888, matando pelo menos a cinco mulheres: Polly Nichols, Annie Chapman, Liz Stride, Kate Eddowes e Marie Jeannette Nelly; embora houvera quem nalgum momento chegou atribuir ao caso dois assassinatos mais: os de Marta Tabram (aka Marta Turner) e Emma Smith.
Moore apresenta um retrato fascinante e profundo duma época inteira que ao seu juízo prefigura todo o século XX com a sua carga de horror e inumanidade, chegando até a ser capaz de encontrar um assomo de piedade e amor pela humanidade na mente perturbada que levou a cabo os horríveis crimes. Efectivamente, Moore, quem adere ás teorias mais atractivas –e fantásticas– sobre a autoria dos assassinatos, apresenta um assassino afastado da imagem de indiferença e insensibilidade do psicopata prototípico. O seu assassino é sensível à beleza e, embora actue seguindo os impulsos típicos do assassino em série (os seus actos são produtos dum plano, duma “missão” e durante a comissão atravessa por todas as fases psicológicas conhecidas no comportamento de esses assassinos), quando lhe sobrevêm visões do século XX é consciente duma dimensão nova nos seus ataques e de um significado oculto que creia um contraste entre a sua brutal missão e a inumanidade da sociedade contemporânea aos autores.
A multi-premiada obra de Moore & Campbell foi adaptada ao cinema no que foi um dos últimos exemplos desse género que tão de moda esteve nos 80 e 90: o cinema de psicopatas/assassinos em série. Pessoalmente, devo reconhecer que sempre achei que grande parte do êxito destas películas tinha a sua base num facto preocupante: a fascinação pública pelo psicopata como encarnação do mal absoluto e, em muitos casos, como objecto de claras simpatias, e até de admiração. Além disso, também resultava curioso constatar a forma como a cada filmecompsicopata aumentava a espectacularidade e a violência dos seus finais, nos que de jeito invariável o assassino em série resultava morto. Ambos aspectos revelam, acho eu, o ambiente de esquizofrenia social que alcançou a sociedade ocidental, na que podem conviver sem maiores problemas a simpatia pelo mal com a moral ultraconservadora do tipo mais ressesso.
Claro que as conclusões poderiam ser ainda mais desoladoras de termos em conta as definições de psicopatia que ussa actualmente a medicina psiquiátrica. Num programa de Redes emitido há uns anos, Robert Hare comentava o seu formulário para a detecção precoce do que se considera uma enfermidade neurológica incurável. Cá podem ler a entrevista de Eduardo Punset ao canadiano e cá podem ver o programa, em cuja segunda parte intervêm dois peritos espanhóis: Luís Borrás e Vicente Garrido.
Além dos casos extremos (assassinos, violadores), fala-se do psicopata como alguém carente de sentido da responsabilidade, com falta de empatia com os sentimentos alheios, egoísmo extremo, alta capacidade de planificação e obtenção de resultados, e insensibilidade ante as repercussões dos próprios actos. Porém, insiste-se que o psicopata é um manipulador emocional consumado, capaz de fingir que entende ou partilha os sentimentos das pessoas a quem aspira a explorar. No que diz respeito à fisiologia, fala-se em defeitos biológicos no cérebro que inibem o controlo de impulsos violentos e creiam uma disfunção na percepção da violência e as emoções.
Pergunto-me, por exemplo, se isso tudo não reflecte grande parte das práticas empresariais actuais, como os feches de fábricas em países ocidentais para deslocá-las a onde é possível explorar trabalhadores ou até meninos, o desprezo por normativas, leis médio ambientais e praxis profissionais, e a procura exclusiva do benefício próprio sem qualquer tipo de repressão nem autocontrolo. Ou indo ainda mais longe: não teremos que aplicar a etiqueta de "PP" (personalidade psicopática; atenção às siglas!) a comportamentos colectivos? Tenhamos em conta o estado actual da sociedade espanhola, a falta absoluta de responsabilidade, a indiferença ante as situações de sofrimento alheio, a procura individual de soluções, riqueza, status e poder, a falta de controlo dos instintos agressivos… é necessário que continue?
Moore apresenta um retrato fascinante e profundo duma época inteira que ao seu juízo prefigura todo o século XX com a sua carga de horror e inumanidade, chegando até a ser capaz de encontrar um assomo de piedade e amor pela humanidade na mente perturbada que levou a cabo os horríveis crimes. Efectivamente, Moore, quem adere ás teorias mais atractivas –e fantásticas– sobre a autoria dos assassinatos, apresenta um assassino afastado da imagem de indiferença e insensibilidade do psicopata prototípico. O seu assassino é sensível à beleza e, embora actue seguindo os impulsos típicos do assassino em série (os seus actos são produtos dum plano, duma “missão” e durante a comissão atravessa por todas as fases psicológicas conhecidas no comportamento de esses assassinos), quando lhe sobrevêm visões do século XX é consciente duma dimensão nova nos seus ataques e de um significado oculto que creia um contraste entre a sua brutal missão e a inumanidade da sociedade contemporânea aos autores.
A multi-premiada obra de Moore & Campbell foi adaptada ao cinema no que foi um dos últimos exemplos desse género que tão de moda esteve nos 80 e 90: o cinema de psicopatas/assassinos em série. Pessoalmente, devo reconhecer que sempre achei que grande parte do êxito destas películas tinha a sua base num facto preocupante: a fascinação pública pelo psicopata como encarnação do mal absoluto e, em muitos casos, como objecto de claras simpatias, e até de admiração. Além disso, também resultava curioso constatar a forma como a cada filmecompsicopata aumentava a espectacularidade e a violência dos seus finais, nos que de jeito invariável o assassino em série resultava morto. Ambos aspectos revelam, acho eu, o ambiente de esquizofrenia social que alcançou a sociedade ocidental, na que podem conviver sem maiores problemas a simpatia pelo mal com a moral ultraconservadora do tipo mais ressesso.
Claro que as conclusões poderiam ser ainda mais desoladoras de termos em conta as definições de psicopatia que ussa actualmente a medicina psiquiátrica. Num programa de Redes emitido há uns anos, Robert Hare comentava o seu formulário para a detecção precoce do que se considera uma enfermidade neurológica incurável. Cá podem ler a entrevista de Eduardo Punset ao canadiano e cá podem ver o programa, em cuja segunda parte intervêm dois peritos espanhóis: Luís Borrás e Vicente Garrido.
Além dos casos extremos (assassinos, violadores), fala-se do psicopata como alguém carente de sentido da responsabilidade, com falta de empatia com os sentimentos alheios, egoísmo extremo, alta capacidade de planificação e obtenção de resultados, e insensibilidade ante as repercussões dos próprios actos. Porém, insiste-se que o psicopata é um manipulador emocional consumado, capaz de fingir que entende ou partilha os sentimentos das pessoas a quem aspira a explorar. No que diz respeito à fisiologia, fala-se em defeitos biológicos no cérebro que inibem o controlo de impulsos violentos e creiam uma disfunção na percepção da violência e as emoções.
Pergunto-me, por exemplo, se isso tudo não reflecte grande parte das práticas empresariais actuais, como os feches de fábricas em países ocidentais para deslocá-las a onde é possível explorar trabalhadores ou até meninos, o desprezo por normativas, leis médio ambientais e praxis profissionais, e a procura exclusiva do benefício próprio sem qualquer tipo de repressão nem autocontrolo. Ou indo ainda mais longe: não teremos que aplicar a etiqueta de "PP" (personalidade psicopática; atenção às siglas!) a comportamentos colectivos? Tenhamos em conta o estado actual da sociedade espanhola, a falta absoluta de responsabilidade, a indiferença ante as situações de sofrimento alheio, a procura individual de soluções, riqueza, status e poder, a falta de controlo dos instintos agressivos… é necessário que continue?
Etiquetas: Cosmopolítica, Damn. I've got the blues again
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