Les amants réguliers
Agora que o Sarko ataca de jeito desumano o 68 francês [nota: não esquecer JAMAIS que existiram outros 68: Ciudad de México, Berkeley, Praga, até Madrid; embora não sempre coincidiram em datas com a grande festa-incêndio situacionista de Paris], e tenta convertê-lo no responsável de todos os males que assolam actualmente à República Francesa revisar esta maravilhosa película de Philippe Garrel finalmente editada em DVD por Intermedio converte-se num saudável exercício intelectual e emocional.
Já se disse que Les amants réguliers é um filme que faz de contraponto a The Dreamers, embora seja muito superior à fita do Bertolucci. Mas algo de verdade existe na afirmação, já que se ocupam da mesma época fixando a atenção em personagens com similares motivos existenciais. Mas Garrel vai além do Bertolucci e o seu caminho é o do doloroso fracasso dos sonhos e anelos duma utopia que muito perto esteve de se tornar real; enquanto Bertolucci limitou-se a permitir que as suas personagens se perderam no meio das revoltas por simples inércia adolescente e amor pelo cinema. E é por isso que Les amants réguliers é infinitamente mais valiosa, porque fala desde a época (Garrel filmara de câmara em mão os distúrbios parisienses do 68 conseguindo o que Godard disse que era o único filme sincero sobre esses acontecimentos) e porque todos os sonhos e anelos dos que falávamos antes concentram-se, misturados com a amargura e a desorientação do seu desvanecimento, nas três horas que dura a película. Em este sentido, é crucial a cena na que três gerações da família Garrel reúnem-se numa cozinha para falar da perda da esperança: o avô, actuando para o pai que está trás da câmara, e o filho, protagonista da película (e de The Dreamers). Estabelece-se assim uma continuidade na história de essa revolução que-não-foi por culpa da reacção gaullista e a traição dos sindicatos. E o filho, Louis Garrel, recebe da sua própria família uma lição do que era compromisso político, ético e espiritual há já tantos anos.
A película funciona também como remate da Nouvelle Vague, como continuadora dum estilo distinto de fazer cine oposto radicalmente à banalidade, a estupidez ou o paternalismo absurdo que temos de sofrer os espectadores cada vez que tragamos um novo subproduto hollywoodiense. Não há nada artificial em Les amants réguliers, porque iria contra a sinceridade brutal que procura a película. Não há falsa espectacularidade nem sequer nas cenas de luta nas ruas. E também não existem explosões sentimentais dirigidas a públicos embrutecidos. Tudo transcorre como a própria vida, num branco e preto desapiedado e delicado, e a gente acredita que está a ver uma película de Bresson ou dos primeiros Godard, Rohmer ou Truffaut; ou melhor: uma película de Jean Eustache, amigo e mentor de Philippe Garrel a quem este pretendia fazer homenagem.
Esta película converter-se-á numa obsessão para muitos que se verão reflectidos no seu compromisso. Converter-se-á numa obra à que teremos que volver constantemente durante anos e que se poderá ensinar com orgulho para demonstrar o que é em verdade o cine.
Já se disse que Les amants réguliers é um filme que faz de contraponto a The Dreamers, embora seja muito superior à fita do Bertolucci. Mas algo de verdade existe na afirmação, já que se ocupam da mesma época fixando a atenção em personagens com similares motivos existenciais. Mas Garrel vai além do Bertolucci e o seu caminho é o do doloroso fracasso dos sonhos e anelos duma utopia que muito perto esteve de se tornar real; enquanto Bertolucci limitou-se a permitir que as suas personagens se perderam no meio das revoltas por simples inércia adolescente e amor pelo cinema. E é por isso que Les amants réguliers é infinitamente mais valiosa, porque fala desde a época (Garrel filmara de câmara em mão os distúrbios parisienses do 68 conseguindo o que Godard disse que era o único filme sincero sobre esses acontecimentos) e porque todos os sonhos e anelos dos que falávamos antes concentram-se, misturados com a amargura e a desorientação do seu desvanecimento, nas três horas que dura a película. Em este sentido, é crucial a cena na que três gerações da família Garrel reúnem-se numa cozinha para falar da perda da esperança: o avô, actuando para o pai que está trás da câmara, e o filho, protagonista da película (e de The Dreamers). Estabelece-se assim uma continuidade na história de essa revolução que-não-foi por culpa da reacção gaullista e a traição dos sindicatos. E o filho, Louis Garrel, recebe da sua própria família uma lição do que era compromisso político, ético e espiritual há já tantos anos.
A película funciona também como remate da Nouvelle Vague, como continuadora dum estilo distinto de fazer cine oposto radicalmente à banalidade, a estupidez ou o paternalismo absurdo que temos de sofrer os espectadores cada vez que tragamos um novo subproduto hollywoodiense. Não há nada artificial em Les amants réguliers, porque iria contra a sinceridade brutal que procura a película. Não há falsa espectacularidade nem sequer nas cenas de luta nas ruas. E também não existem explosões sentimentais dirigidas a públicos embrutecidos. Tudo transcorre como a própria vida, num branco e preto desapiedado e delicado, e a gente acredita que está a ver uma película de Bresson ou dos primeiros Godard, Rohmer ou Truffaut; ou melhor: uma película de Jean Eustache, amigo e mentor de Philippe Garrel a quem este pretendia fazer homenagem.
Esta película converter-se-á numa obsessão para muitos que se verão reflectidos no seu compromisso. Converter-se-á numa obra à que teremos que volver constantemente durante anos e que se poderá ensinar com orgulho para demonstrar o que é em verdade o cine.
Etiquetas: Cinema, Cosmopolítica
<< Home