terça-feira, janeiro 31, 2006

Em torno de Brokeback Mountain


Não estava muito seguro de querer ver Brokeback Mountain. Desconfio das promoções exageradas, das películas que camuflam publicidade nos telejornais, das obras que ocultam os seus defeitos sob argumentos politicamente correctos (o que não é mais que uma outra forma de fascismo, Michael Stipe dixit). Também não confio em prémios, nas películas que arrasam tudo: Globos de ouro, Óscar, Prémios da crítica... Prefiro guiar-me por um critério duplo: as opiniões de gente com a que tenho coincidido antes e uma intuição muito trabalhada sobre a base das experiências cinematográficas anteriores. Isto faz com que, por exemplo, vá ver cada nova película de Woody Allen embora só um feixe dos seus trabalhos nos últimos vinte anos me satisfaçam plenamente (Hannah & Her Sisters; Another Woman; Crimes & Misdemeanors; Manhattan Mistery Murder; Husbands & Wives; e Deconstructing Harry). Também faz com que, por exemplo, as palavras “Jim Carrey” provoquem um cepticismo dificilmente salvável, motivo pelo que tive de recuperar Eternal Sunshine Of The Spotless Mind por insistência dum amigo ao que nunca estarei dabondo agradecido. Outras das minhas insuperáveis fobias incluem Tom Cruise, Spielberg, os irmãos Trueba, três quartos do cinema oriental que nos chega, o mainstream hollywoodense e o stablishment espanhol... Há quem diga que tenho os prejuízos a trabalhar a pleno rendimento; eu prefiro considerá-lo instinto e poucas vezes me engana. O cine é algo muito sério para perder o tempo com subprodutos.

Ang Lee é autor de várias fitas apreciáveis, como Ride With The Devil e Crouching Tiger, Hidden Dragon, mas o melhor da sua filmografia são sem dúvida O banquete de boda e Comer, beber, amar. Foi responsável também duma película que, de sermos benévolos, diríamos que supõe uma queda de nível, mas que, como somos como somos, diremos que é absolutamente olvidável: Hulk. Esta, maldita seja, é a última até Brokeback Mountain o que há que reconhecer que contava como outro motivo de desconfiança. Mas Brokeback Mountain está bem, de facto está muito bem. O filme conta uma nova versão duma história já contada muitas vezes. Os actores e actrizes estão excelentes e a direcção permanece sempre atenta aos pontos fortes da história, sem demonstrar nunca impaciência, nem cair na auto-complacência ou o sensacionalismo.


Lee observa as personagens destruírem-se a si memos pouco a pouco, por não se permitirem seguir os ditados dos seus corações. Ennis aferra-se a uma vida vazia, com um matrimónio fracassado, ao que segue uma relação condenada de princípio, e um trabalho que não permite que saia da miséria e uma ingesta excessiva de álcool. Jack está preso num matrimónio sem sentimentos, que o empequenece ao tempo que aumenta a sua frustração sexual. Os encontros entre ambos reduzem-se a um par de dias nos meses de inverno, estação que reflecte e, paradoxalmente, contrasta com a temperatura sentimental das personagens. De igual jeito, a fria beleza das montanhas também serve de contraste à claustrofóbica sordidez das casas, dos bares e dos povos onde os protagonistas deixam passar as suas vidas até o momento do próximo encontro.

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